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Entendendo a Lógica da Sustentabilidade: Equilíbrio e Responsabilidade

  • Foto do escritor: Carlos Sergio Gurgel
    Carlos Sergio Gurgel
  • 19 de ago.
  • 4 min de leitura
Sustentabilidade é conciliar interesses.
Sustentabilidade é conciliar interesses.

A lógica da sustentabilidade assenta-se no equilíbrio das relações entre o ser humano e o meio que o circunda. Trata-se do uso responsável e racional dos recursos naturais, de modo a evitar seu exaurimento e a não inviabilizar a fruição das funções ambientais ou ecológicas do ambiente.


Em situações em que, por inexistência de área alternativa adequada, uma cidade dependa economicamente da construção de um porto em zona de manguezal para escoar sua produção (fruticultura, minérios etc.), não se pode confundir sustentabilidade com preservação integral incondicionada. A interpretação segundo a qual o Estado deveria resignar-se a uma limitação absoluta do desenvolvimento econômico, ainda que a intervenção recaia sobre parcela restrita (por exemplo, 10%) do manguezal, não se compatibiliza com o desenvolvimento sustentável. Este pressupõe ponderação e reciprocidade: interesses preservacionistas e desenvolvimentistas devem ser ajustados de forma proporcional e razoável, sob pena de se comprometer a própria racionalidade do sistema.


Há, contudo, hipóteses em que a preservação integral é inegociável: quando a função ecológica, as peculiaridades técnicas ou a fragilidade ambiental revelarem risco de dano irreversível ou de difícil reparação ao meio ambiente natural, cultural, artificial ou do trabalho. Nesses casos, impõe-se o recurso a instrumentos de ordenação e proteção, como o zoneamento ecológico-econômico e a instituição de espaços territoriais especialmente protegidos, inclusive no regime das unidades de conservação.


Em contextos urbanos densamente ocupados ou em expansão, o território precisa ser compatibilizado para usos múltiplos, a fim de atender necessidades coletivas crescentes em uma economia interdependente e globalizada. Nenhum modelo econômico ou ideológico elimina integralmente impactos; todos supõem escolhas, limites e responsabilidades públicas e privadas. Por isso, diante de obras como uma ponte que atravesse áreas de mangue, a exemplo do ocorrido na capital pernambucana, cabe ao órgão ambiental competente, com base em sua área técnica de avaliação de impactos, sopesar impactos e medidas de mitigação e compensação e, então, decidir pela viabilidade ambiental, estabelecendo, se for o caso, condições e salvaguardas precisas para a execução.


Em cenários de potencial impacto significativo, a legislação aplicável, inclusive sob a égide da Lei Federal nº 15.190, de 8 de agosto de 2025 (Lei Geral do Licenciamento Ambiental), exige transparência e participação social qualificada. Daí a realização de audiências públicas (arts. 39 a 41), em consonância com a Resolução CONAMA nº 001/1986, para que as populações direta ou indiretamente afetadas possam se manifestar sobre os impactos e as alternativas do empreendimento.


O risco sistêmico aumentaria se o Poder Público dispensasse dados e informações técnicas ou deixasse de analisá-los, ainda que a posteriori. Daí a importância de desmistificar instrumentos como a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) e a Licença Ambiental Especial (LAE). Longe de “dispensarem” a instrução técnica, tais licenças pressupõem a apresentação de registros e a avaliação qualificada dos documentos pertinentes. Se não o fizessem, seriam legítimas as objeções que lhes imputam fragilização do controle ambiental. Pelo contrário: seu objetivo é conferir celeridade e racionalidade a empreendimentos de pequeno potencial de impacto ou de relevância pública estratégica, cujos impactos são conhecidos e manejáveis pelos órgãos licenciadores.


No caso da LAC, a lei exige do empreendedor o Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE), com a descrição técnica da instalação e da operação, e impõe condicionantes, ainda que em procedimento simplificado, compatíveis com o perfil de risco da atividade. Não se trata de “licenciamento sem controle”, mas de calibragem procedimental. Antes mesmo da Lei nº 15.190/2025, ao menos dez Estados já adotavam modelos análogos, e o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da LAC em precedentes relevantes (STF, ADI 4615/CE, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 20.09.2019; e ADI 6288/CE, Rel. Min. Rosa Weber, j. 23.11.2020, DJe 03.12.2020).


Nesse quadro, não há razão para negar o caráter de sustentabilidade da legislação em referência, que procura conciliar proteção ambiental, segurança jurídica e viabilidade econômica, em harmonia com os princípios constitucionais do desenvolvimento sustentável.


A experiência de cidades como Natal/RN evidencia que a aplicação rígida e descontextualizada da legislação ambiental poderia inviabilizar processos históricos de ocupação e de desenvolvimento urbano. Porções significativas da capital potiguar assentam-se sobre dunas, restingas, manguezais e remanescentes de Mata Atlântica. Uma leitura legal sem ponderação teria impedido a própria formação de bairros inteiros. Sustentabilidade, portanto, não é um ideal abstrato de preservação integral, mas uma construção dinâmica que articula ciência, técnica, direito e participação social para gerir riscos e distribuir encargos e benefícios.


O mesmo raciocínio vale para o setor energético: não há fonte “100% limpa” ou isenta de impactos. O que existe é uma matriz sujeita a avaliação de proporcionalidade dos efeitos e à adoção de medidas de prevenção, mitigação e compensação. Sustentabilidade não significa eliminar todos os riscos, mas geri-los de forma responsável, com transparência e accountability, reconhecendo limites tanto da exploração econômica quanto da preservação.


Em síntese, a verdadeira lógica da sustentabilidade exige um equilíbrio realista entre preservacionismo e desenvolvimentismo, alicerçado em bases jurídicas sólidas, instrumentos de gestão eficazes e participação social informada. Superadas as dicotomias ideológicas, o caminho está na construção de soluções técnicas que honrem os valores constitucionais de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e do desenvolvimento nacional, assegurando, simultaneamente, a proteção dos recursos naturais e a viabilidade de projetos que promovam prosperidade econômica, justiça social e qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.


OBS: Imagem extraída do site: <https://www.linkedin.com/pulse/relat%C3%B3rio-brundtland-1987-movimentos-adeildo-caboclo-msc-iytqf/>. Acesso em 19 de agosto de 2025.



 
 
 

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