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Imóveis com mineração são propriedades rurais? Reserva Legal (RL) é obrigatória?

  • Foto do escritor: Carlos Sergio Gurgel
    Carlos Sergio Gurgel
  • 5 de out.
  • 8 min de leitura
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A atividade minerária, embora essencial ao desenvolvimento econômico e social do país, é uma das mais impactantes sobre o meio ambiente, demandando rigorosas obrigações legais de mitigação e compensação dos danos. A extração mineral implica supressão de vegetação nativa, alteração do solo e modificação de ecossistemas, exigindo a harmonização entre o uso econômico do território e a tutela ambiental. Nesse contexto, destaca-se a discussão acerca da necessidade de manutenção da Reserva Legal nos imóveis rurais submetidos à exploração mineral. O ordenamento jurídico brasileiro, ao lado da jurisprudência consolidada dos tribunais, é categórico: a atividade minerária não dispensa a instituição e a conservação da Reserva Legal, admitindo, no entanto, formas específicas de compensação e realocação ambientalmente equilibradas, nos termos do Código Florestal.


A obrigatoriedade da Reserva Legal decorre de mandamento constitucional e legal. O Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) estabelece, em seu artigo 12, que todo imóvel rural deve manter uma área com cobertura de vegetação nativa, sem prejuízo das Áreas de Preservação Permanente, como condição para o uso sustentável do solo e a proteção da biodiversidade. Essa obrigação é de natureza propter rem, vinculada ao imóvel rural e não ao proprietário, e independe da finalidade econômica do bem. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em importante precedente, reafirmou essa natureza cogente ao julgar ação civil pública voltada à averbação de Reserva Legal. No acórdão, ficou assentado que a averbação não constitui faculdade do proprietário, mas dever legal e constitucionalmente imposto, não sendo possível afastá-lo sob alegação de ausência de vegetação nativa. Além disso, o tribunal destacou a impossibilidade de retroatividade do novo Código Florestal para reduzir o grau de proteção ambiental, reafirmando o princípio da vedação ao retrocesso ecológico e a intangibilidade dos direitos ambientais adquiridos.


"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - AVERBAÇÃO DE RESERVA LEGAL - OBRIGATORIEDADE - NOVO CÓDIGO FLORESTAL - RETROATIVIDADE - IMPOSSIBILIDADE - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS - INDEFERIMENTO. 1 - Conforme precedente do colendo Superior Tribunal de Justiça, "o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais." (vide AgRg no AREsp 327687/SP; Rel. Min . Humberto Martins; DJe 26.08.13) 2 - A averbação do terreno como área de preservação não é mera faculdade do proprietário de imóvel rural, mas sim obrigação instituída por lei e com respaldo, inclusive, na Constituição, não comportando discussão acerca da presença de mata nativa. 3 - A declaração de pobreza possui presunção relativa de veracidade e, portanto, sua simples apresentação não é suficiente para concessão do benefício. (TJ-MG - AC: 10016110113384001 Alfenas, Relator.: Rogério Coutinho, Data de Julgamento: 03/07/2014, Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16/07/2014)"

No campo específico da mineração, a jurisprudência tem reconhecido a necessidade de compatibilização entre o direito ao desenvolvimento econômico e o dever de preservação ambiental. O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, ao analisar a constitucionalidade de norma estadual que permite a realocação de Reserva Legal para viabilizar a exploração mineral, consolidou a tese de que a compensação ambiental, quando realizada dentro de critérios técnicos e ecológicos adequados, não configura retrocesso ambiental, mas sim forma legítima de conciliar o uso econômico dos recursos minerais com a proteção do meio ambiente. O acórdão enfatizou que a norma estadual, editada no exercício da competência legislativa concorrente, estabeleceu salvaguardas como o acréscimo de área protegida e a exigência de equivalência ecológica entre a área original e a realocada. Dessa forma, reconheceu-se que a realocação, acompanhada de medidas compensatórias efetivas, preserva o núcleo essencial do direito ao meio ambiente equilibrado, materializando o princípio do desenvolvimento sustentável previsto no artigo 225 da Constituição Federal.


"Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. CÓDIGO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE . REALOCAÇÃO DE RESERVA LEGAL PARA VIABILIZAÇÃO DE ATIVIDADE MINERÁRIA. COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE PROTEÇÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE. INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL . IMPROCEDÊNCIA. I. Caso em exame 1. Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores de Mato Grosso contra a Lei Complementar Estadual nº 788/2024, que acrescenta o artigo 94-A à Lei Complementar nº 38/1995 (Código Estadual do Meio Ambiente), permitindo a realocação de reserva legal para viabilizar a extração de substâncias minerais quando inexistir alternativa locacional. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a Lei Complementar Estadual nº 788/2024 padece de inconstitucionalidade formal por usurpar competência privativa da União para legislar sobre recursos minerais e por inobservar período de vacância; (ii) saber se existe inconstitucionalidade material por violação ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao princípio da vedação ao retrocesso ambiental. III . Razões de decidir 3. A Lei Complementar Estadual nº 788/2024 insere-se no legítimo exercício da competência legislativa suplementar do Estado em matéria ambiental, estabelecendo critérios para a realocação de reserva legal sem invadir a esfera de competência privativa da União sobre recursos minerais. 4. A ausência de período de vacância não configura inconstitucionalidade formal, por tratar-se de norma de eficácia limitada cuja aplicação prática depende de procedimentos administrativos específicos perante o órgão ambiental competente. 5. A possibilidade de realocação da reserva legal para fins de exploração mineral não viola o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois estabelece mecanismos de compensação e mitigação dos impactos ambientais, incluindo acréscimo de 10% na dimensão da nova área e exigência de que esta possua vegetação nativa preservada da mesma tipologia vegetal. 6. Não há violação ao princípio da vedação ao retrocesso ambiental, pois a alteração locacional da reserva legal é acompanhada de medidas compensatórias que asseguram a manutenção e até ampliação do percentual de vegetação nativa protegida, harmonizando adequadamente a proteção ambiental com o desenvolvimento econômico-social . IV. Dispositivo e tese 7. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. Tese de julgamento: "1 . É constitucional lei estadual que, no exercício da competência legislativa concorrente em matéria ambiental, disciplina a realocação de reserva legal para viabilizar a extração mineral, desde que estabeleça medidas compensatórias adequadas. 2. A realocação da reserva legal para fins de atividade minerária, mediante compensação que implique ganho ambiental quantitativo e qualitativo, não viola o princípio da vedação ao retrocesso ambiental." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts . 22, XII; 24, VI; 170; 176, § 1º; 225, § 2º; Constituição do Estado de Mato Grosso, art. 263. Jurisprudência relevante citada: ADI nº 1001295-09.2022 .8.11.0000, Rel. Des . Antônia Siqueira Gonçalves, TJMT. (TJ-MT - DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: 10189927220248110000, Relator.: RUI RAMOS RIBEIRO, Data de Julgamento: 17/09/2025, Órgão Especial, Data de Publicação: 17/09/2025).

Em dimensão prática, a aplicação desse entendimento também se observa em litígios envolvendo indenizações e servidões minerárias. O Tribunal de Justiça de Pernambuco analisou caso em que a instituição de servidão de pesquisa mineral incidia sobre imóvel rural dotado de Reserva Legal, reconhecendo que essa área integra o uso econômico sustentável da propriedade. O tribunal considerou que a Reserva Legal não impede o aproveitamento econômico do imóvel, mas deve ser incorporada à avaliação de renda e de indenização, em razão de sua função ecológica e econômica. Além disso, ressaltou-se que o Código Florestal admite a compensação da Reserva Legal em outro imóvel, e que a renda indireta da área protegida equivale ao valor não despendido pelo proprietário com a aquisição ou arrendamento de área destinada à compensação. Esse entendimento reforça a dimensão econômica e ambientalmente positiva da Reserva Legal, que passa a ser compreendida como ativo ambiental e instrumento de sustentabilidade patrimonial, inclusive nos empreendimentos minerários.


"PRIMEIRA CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 1ª TURMA APELAÇÃO N.º 0000570-98.2019.8 .17.3290 APELANTE: CASA GRANDE MINERACAO LTDA e Outro APELADO: ADOLPHO PEREIRA CARNEIRO CIA LTDA RELATOR: Des. José Viana Ulisses Filho EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA . AVALIAÇÃO DE RENDA E INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ALVARÁ DE PESQUISA MINERAL. LAUDO PERICIAL HOMOLOGADO. UTILIZAÇÃO ECONÔMICA DA FAZENDA. RESERVA LEGAL . FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. IMPUGNAÇÕES DESPROVIDAS DE DETALHES TÉCNICOS. RESPEITO AO CONTRADITÓRIO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADES. CÓDIGO DE MINERACAO. SERVIDÃO MINERÁRIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS. 1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que homologou o laudo pericial elaborado nos autos do procedimento de jurisdição voluntária, visando à apuração do valor de renda e indenização devida pela titular do alvará de pesquisa ao proprietário do imóvel, em decorrência da realização de pesquisas minerais. 2. O perito judicial, profissional de confiança do Juízo, elaborou o laudo pericial de maneira minuciosa e técnica, analisando cada etapa do projeto e apresentando conclusões fundamentadas, as quais foram oportunamente esclarecidas e retificadas, garantindo o contraditório das partes . 3. A análise da propriedade rural evidenciou a utilização econômica da Fazenda São José para a criação de gado, sendo a Reserva Legal parte integrante desse contexto, viabilizando a exploração sustentável e legal da propriedade. 4. O "novo" Código Florestal prevê a possibilidade de compensação da Reserva Legal em outro imóvel, sendo a renda indireta da área ocupada com a Reserva Legal considerada como o "valor não gasto" pelo proprietário ao arrendar ou adquirir uma área em outro imóvel destinada à Reserva Legal. 5. As impugnações apresentadas pelas partes carecem de detalhes técnicos suficientes para afastar as conclusões do perito, sendo observado o devido respeito ao contraditório durante toda a marcha processual. 6. O presente processo de jurisdição voluntária tem por finalidade estabelecer os parâmetros econômicos para instituir a servidão de utilização da área destinada à pesquisa mineral, não configurando concessão de lavra . 7. A sentença homologatória observou a legalidade e regularidade do laudo pericial, não havendo nulidades no procedimento. As questões foram analisadas corretamente pelo perito, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa das partes. 8 . Recursos desprovidos. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 0000570-98.2019 .8.17.3290, em que figuram as partes devidamente qualificadas. ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da 1ª Câmara Regional de Caruaru, unanimemente, em negar provimento aos recursos, na conformidade do voto do Relator, que devidamente revisto e rubricado, passa a integrar este julgado . Caruaru, Des. José Viana Ulisses Filho Relator. 3 (TJ-PE - APELAÇÃO CÍVEL: 0000570-98.2019 .8.17.3290, Relator.: JOSE SEVERINO BARBOSA, Data de Julgamento: 25/04/2024, Gabinete do Des. José Viana Ulisses Filho (Processos Vinculados - 1ª TCRC)

Diante dessa construção jurídica, evidencia-se que a atividade minerária não exclui, nem suspende, o dever de manutenção da Reserva Legal, devendo o empreendedor adequar-se às exigências de compensação, realocação e recomposição previstas em lei. A mineração pode alterar a paisagem e transformar o uso do solo, mas não afasta o compromisso constitucional de proteger os processos ecológicos essenciais e assegurar a recuperação das áreas degradadas. A Reserva Legal, nesse contexto, deixa de ser mera limitação administrativa para tornar-se instrumento de gestão territorial, de responsabilidade socioambiental e de equilíbrio entre economia e ecologia. Assim, o desafio contemporâneo do Direito Ambiental consiste em fortalecer mecanismos de compatibilização entre a exploração mineral e a conservação da vegetação nativa, consolidando um modelo jurídico que promova segurança econômica sem renunciar à integridade ecológica, verdadeiro reflexo do princípio do desenvolvimento sustentável e da função socioambiental da propriedade rural.


E, síntese, a consolidação da compatibilidade entre mineração e Reserva Legal reflete a maturidade do ordenamento jurídico ambiental brasileiro, que evolui da lógica da proibição para a da integração sustentável. A coexistência entre a exploração mineral e a manutenção da vegetação nativa demonstra que o desenvolvimento econômico não precisa ocorrer à margem da proteção ambiental, mas dentro de seus limites constitucionais e éticos. A Reserva Legal, nesse sentido, torna-se um instrumento de equilíbrio dinâmico, assegurando que a exploração de recursos finitos, como os minerais, seja compensada pela preservação e restauração de recursos renováveis, como a flora e os serviços ecossistêmicos. No contexto atual de governança e compliance ambiental, a observância da Reserva Legal em empreendimentos minerários transcende o cumprimento formal da lei: é elemento essencial das práticas de ESG (Environmental, Social and Governance), da gestão de riscos socioambientais e da credibilidade institucional das empresas perante o poder público, investidores e sociedade civil. Assim, o verdadeiro desafio da mineração no século XXI não é apenas extrair com eficiência, mas restituir com responsabilidade, transformando a Reserva Legal de obrigação em legado, o elo permanente entre a economia do subsolo e a sustentabilidade da superfície.


 
 
 

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