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Licença Ambiental é Ato Administrativo Vinculado ou Discricionário?

  • Foto do escritor: Carlos Sergio Gurgel
    Carlos Sergio Gurgel
  • 26 de set.
  • 4 min de leitura
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O licenciamento ambiental, previsto na Lei n.º 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, representa um dos principais instrumentos de gestão ambiental no Brasil. Diferentemente das licenças administrativas em geral, tradicionalmente caracterizadas como atos vinculados, a licença ambiental se distingue por exigir apreciação técnica complexa e análise da viabilidade do empreendimento sob a ótica da proteção ambiental. Trata-se, portanto, de um ato administrativo de natureza discricionária especial, no qual a decisão do órgão licenciador não se limita ao atendimento de requisitos formais, mas envolve também avaliação científica, normativa e técnica.


As licenças administrativas em regra são atos vinculados, isto é, sua emissão depende unicamente da comprovação objetiva do cumprimento das condições estabelecidas pela lei. No entanto, a licença ambiental possui especificidades que a afastam dessa concepção clássica. Sua expedição não decorre apenas da apresentação dos documentos exigidos, mas pressupõe uma análise aprofundada dos impactos ambientais associados ao empreendimento.


Neste sentido, vale destacar o seguinte julgado, de lavra do STJ, que reforça a natureza discricionária das licenças ambientais:


"AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. DANOS AMBIENTAIS. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. 1. A União e o Estado do Paraná, agindo na defesa do interesse público com o propósito de evitar lesão à ordem e à economia públicas, têm inequívoca legitimidade para formular o pedido de suspensão, debatendo o mérito suspensivo. 2. A jurisprudência consolidada do STJ não exige que a parte requerente tenha feito parte da ação originária . 3. O deferimento do pedido de suspensão está condicionado à cabal demonstração de que a manutenção da decisão impugnada causa efetiva lesão ao interesse público. 4. A suspensão de liminar e de sentença é medida excepcional que não tem natureza jurídica de recurso, razão pela qual não propicia a devolução do conhecimento da matéria para eventual reforma. 5. As questões eminentemente jurídicas debatidas na instância originária são insuscetíveis de exame na via suspensiva, cujo debate tem de ser profundamente realizado no ambiente processual adequado. 6. Não se desconhece que "compete ao Poder Judiciário imiscuir-se no mérito do ato administrativo, ainda que discricionário, para averiguar os aspectos de legalidade do ato, mormente quando as questões de cunho eminentemente ambientais demostram a incúria da Administração em salvaguardar o meio ambiente" (AgRg no AREsp 476067/SP, Rel . Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.5.2014). 7 . Contudo, no caso concreto, não foram apresentados argumentos robustos que pudessem infirmar a presunção de legitimidade do ato administrativo, sobretudo tendo em vista que a suspensão de liminar e de sentença não configura o ambiente processual adequado para realização de instrução probatória, que poderia culminar numa conclusão diversa da defendida pela parte requerente. 8. Inexistência de situações específicas ou dados concretos que efetivamente pudessem demonstrar que o comando judicial atual não deve prevalecer com relação ao reconhecimento de violação dos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência.Agravos internos improvidos. (STJ - AgInt na SLS: 2853 RS 2020/0330781-0, Relator.: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 07/06/2023, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 30/10/2023).

De acordo com o artigo 9º, inciso III, da Lei n.º 6.938/1981, a avaliação de impactos ambientais constitui um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. Tal avaliação deve ser realizada por órgãos ambientais competentes integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), como o IBAMA, as autarquias estaduais ou, quando for o caso, órgãos municipais devidamente habilitados. Apenas esses entes possuem atribuição legal e capacidade técnica para aferir a viabilidade ambiental dos empreendimentos.


Ao solicitar a licença, cabe ao empreendedor, pessoa física ou jurídica, apresentar os documentos e estudos ambientais indicados pelo órgão competente, elaborados conforme termo de referência emitido especificamente para o tipo de atividade ou empreendimento. A análise, entretanto, não se restringe à mera conferência formal dessa documentação. O órgão licenciador deve avaliar os estudos ambientais apresentados, confrontando-os com a legislação aplicável e com dados técnicos de impacto e viabilidade.


Somente após essa análise, que exige fundamentação científica e técnica, é que o órgão ambiental poderá concluir pela viabilidade ambiental do empreendimento. Assim, não basta cumprir formalmente os requisitos legais: é indispensável que a autoridade ambiental emita juízo de valor técnico acerca da conformidade e da sustentabilidade do projeto. A licença ambiental, portanto, caracteriza-se como ato discricionário especial, cujo núcleo decisório é pautado pela discricionariedade técnica.


Essa natureza especial, contudo, não está imune a mudanças legislativas recentes. Com a promulgação da Lei da Liberdade Econômica (Lei n.º 13.874/2019) e da Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei n.º 14.066/2020, entre outras propostas em trâmite), observa-se uma tendência de restrição da margem de liberdade decisória da Administração Pública Ambiental. Os órgãos ambientais passaram a ser obrigados a observar prazos mais rígidos e procedimentos padronizados, especialmente em empreendimentos cujo impacto já é conhecido e controlado.


Essa padronização pode conferir maior celeridade ao processo e reduzir a percepção de insegurança jurídica por parte dos empreendedores, mas, ao mesmo tempo, limita a amplitude da discricionariedade administrativa. Apesar disso, a licença ambiental não se equipara às demais licenças administrativas, pois ainda envolve juízos técnicos de viabilidade ambiental, baseados em critérios científicos e jurídicos, que mantêm seu caráter discricionário especial.


A licença ambiental não pode ser enquadrada no modelo clássico de ato vinculado. Sua natureza complexa, que exige a conjugação de aspectos jurídicos, técnicos e científicos, confere-lhe a condição de ato administrativo discricionário especial. Embora recentes mudanças legislativas tenham restringido a liberdade decisória da Administração Pública Ambiental em nome da celeridade e da previsibilidade, permanece inalterada a exigência de avaliação técnica rigorosa, realizada por órgãos competentes do SISNAMA, como condição para a emissão da licença.


Assim, a licença ambiental continua a se firmar como um dos principais instrumentos de proteção ambiental previstos na Constituição de 1988 e na Política Nacional do Meio Ambiente, equilibrando o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF/88) e a ordem econômica fundada na livre iniciativa (art. 170, CF/88), sempre à luz da defesa do interesse público e da sustentabilidade.


OBS: Imagem extraída do site: <https://panoramadaaquicultura.com.br/a-retomada-da-carcinicultura-no-brasil/>. Acesso em 26 de setembro de 2025.

 
 
 

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