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Multas por Infrações Administrativas Ambientais: Natureza Jurídica e Garantias aos Administrados

  • Foto do escritor: Carlos Sérgio Gurgel
    Carlos Sérgio Gurgel
  • há 8 horas
  • 4 min de leitura
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O Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, que regulamenta a Lei Federal nº 9.605/1998, constitui o principal diploma regulamentar do sistema sancionatório ambiental no âmbito federal, disciplinando as infrações e sanções administrativas decorrentes da violação de normas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. A partir de uma perspectiva jurídico-administrativa, o referido decreto confere concretude ao poder de polícia ambiental, assegurando, ao mesmo tempo, o respeito às garantias fundamentais dos administrados.


O presente ensaio examina a natureza jurídica das multas ambientais previstas no referido decreto, bem como os mecanismos de proteção procedimental oferecidos aos infratores no curso do processo administrativo sancionador.


Nos termos do art. 2º do supra referido decreto, considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de proteção ambiental, sendo cabível a aplicação das sanções previstas no art. 3º. Entre elas, destacam-se as multas simples e as multas diárias, que, conforme o art. 8º, podem incidir sobre diferentes unidades de medida, a depender do objeto jurídico lesado.


A multa ambiental possui natureza jurídica administrativa e sancionatória, pois é imposta unilateralmente pela Administração Pública no exercício do seu poder de polícia ambiental, visando compelir o infrator à observância das normas protetivas e desestimular novas infrações. Trata-se, portanto, de instrumento que materializa a função preventiva e repressiva do Estado na defesa do meio ambiente, sendo um meio eficaz para a adoção de práticas que permitam o monitoramento e controle de atividades com médio ou elevado potencial de causar degradações ambientais significativas. Caso tais medidas não sejam implementadas, o controle se fragiliza e o risco de eventuais danos surgirem torna o “fantasma” da multa uma realidade próxima.


O art. 9º do decreto em tela estabelece que o valor da multa deve situar-se entre R$ 50,00 (cinquenta reais) e R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), admitindo atualização monetária periódica. Tal amplitude permite ao administrador ajustar a sanção à proporcionalidade da conduta, em observância aos critérios do art. 4º, que orientam a aplicação das penalidades segundo a gravidade dos fatos, os antecedentes do infrator e sua situação econômica. Desse modo, este decreto consagra a aplicação individualizada da pena administrativa, em consonância com o princípio constitucional da razoabilidade (art. 5º, LIV, CF/1988, por analogia). No entanto, não se pode ainda esquecer que a responsabilidade administrativa por prejuízos (danos) ao ambiente é subjetiva e depende da apuração de dolo ou culpa. Superado este aspecto e comprovando-se dolo ou culpa, a multa em tela é fortalecida quanto à sua subsistência.


Vale lembrar que o art. 10 introduz a multa diária, aplicável quando a infração se prolonga no tempo. Essa modalidade de sanção tem natureza coercitiva, pois objetiva induzir o administrado à cessação imediata da conduta lesiva, sob pena de agravamento financeiro contínuo. O decreto em apreço estabelece ainda critérios de fixação da multa-dia, limitando-a entre o mínimo legal e até 10% do valor máximo da multa simples correspondente. Ademais, a norma garante segurança jurídica ao determinar que o autuado seja notificado e possa apresentar defesa antes da consolidação da penalidade (art. 10, § 3º), assegurando o contraditório e a ampla defesa, o que reforça a importância do acompanhamento da situação por um advogado especializado em direito ambiental.


Recorde-se ainda que a contagem da multa diária cessa quando o autuado comprova a regularização da situação ou celebra termo de compromisso de reparação ou cessação dos danos (art. 10, § 8º). Trata-se, portanto, de sanção instrumental, voltada mais à indução de comportamento do que à punição em si, reforçando a função educativa da política ambiental. O art. 11 desta norma define também o regime de reincidência, prevendo o agravamento das penalidades quando o mesmo infrator comete nova infração no período de cinco anos após decisão administrativa definitiva. Nesse caso, a multa é triplicada se a nova infração for idêntica, e duplicada se for diversa.


A reincidência é apurada dentro do novo processo administrativo, garantindo-se ao autuado a notificação prévia e prazo de defesa (art. 11, §§ 1º e 2º). Assim, o agravamento não opera automaticamente, mas apenas após decisão fundamentada da autoridade competente, em observância ao devido processo legal administrativo.


O presente regulamento também reforça importantes garantias aos administrados. O art. 12 impede a duplicidade de penalidades pecuniárias pelo mesmo fato quando já houver multa imposta por outro ente federativo, desde que o pagamento tenha sido efetivado. Tal previsão concretiza o princípio do non bis in idem no âmbito ambiental, impedindo que o infrator seja punido mais de uma vez pela mesma conduta. Por outro lado, o art. 13 desta norma dispõe que 50% dos valores arrecadados com multas federais serão revertidos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), com possibilidade de destinação adicional mediante instrumentos de cooperação com outros entes federativos. Essa previsão confere à sanção pecuniária uma função reparatória indireta, canalizando recursos para políticas públicas de preservação ambiental.


Como se percebe, o Decreto nº 6.514/2008 representa marco normativo essencial na consolidação do regime jurídico das sanções administrativas ambientais. Ao estabelecer parâmetros claros para a aplicação das multas, o diploma equilibra a necessidade de efetividade da tutela ambiental com a observância das garantias fundamentais do administrado.


A multa ambiental, seja simples ou diária, revela-se instrumento de natureza administrativo-preventiva e repressiva, que atua tanto na correção de condutas irregulares quanto na internalização do princípio da responsabilidade ambiental. O respeito aos critérios de proporcionalidade, à ampla defesa e ao devido processo administrativo reafirma a legitimidade do exercício do poder sancionador do Estado na seara ambiental.


Cumpre destacar, por fim, que a atuação do advogado ambiental assume papel essencial nesse contexto normativo e procedimental. Diante da complexidade técnica das infrações ambientais e da necessidade de demonstrar a presença de dolo ou culpa para a responsabilização administrativa, conforme o entendimento de que tal responsabilidade é subjetiva, o profissional do Direito Ambiental torna-se indispensável para a defesa técnica dos administrados, a interpretação sistemática da legislação e a condução adequada do processo administrativo sancionador. Sua intervenção garante não apenas o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, mas também contribui para a efetividade e legitimidade da tutela ambiental, assegurando que a repressão a condutas lesivas ao meio ambiente se realize dentro dos parâmetros do Estado Democrático de Direito.


 
 
 

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