Áreas de Preservação Permanente (APP) em Área Urbana Consolidada: nova disciplina legal.
- Carlos Sergio Gurgel

 - 11 de ago.
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A disciplina das Áreas de Preservação Permanente (APP) em meio urbano passou por inflexão normativa com a Lei nº 14.285/2021, que alterou o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) para definir “área urbana consolidada” (AUC) e atribuir aos Municípios e ao Distrito Federal, mediante lei e ouvidos os conselhos de meio ambiente, a fixação das faixas marginais ao longo de cursos d’água naturais, em substituição aos parâmetros gerais do art. 4º, I. Trata-se de municipalização qualificada, ancorada em critérios objetivos e exigências procedimentais, cujo propósito é compatibilizar proteção ambiental, segurança de pessoas e ordenação urbanística.
Pelo art. 3º, XXVI, do Código Florestal, AUC é aquela que, cumulativamente, a) integra o perímetro/zona urbana por plano diretor ou lei municipal específica; b) dispõe de sistema viário implantado; c) está organizada em quadras e lotes predominantemente edificados; d) apresenta uso predominantemente urbano (residencial, comercial, industrial, institucional, misto ou de serviços); e e) possui, no mínimo, dois entre os seguintes equipamentos de infraestrutura: drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário, abastecimento de água, distribuição de energia/iluminação pública e limpeza urbana/gestão de resíduos. A exigência cumulativa eleva o padrão de prova e evita o uso indevido do conceito para fragilizar APPs em tecidos ainda não consolidados.
No tocante às faixas marginais em AUC, o § 10 do art. 4º autoriza a lei municipal ou distrital a estabelecer larguras distintas das previstas no Código, condicionando essa flexibilização a três pilares: i) vedação de ocupação de áreas com risco de desastres; ii) observância das diretrizes dos planos de recursos hídricos, de bacia, de drenagem e de saneamento básico (quando existentes); e iii) restrição de usos às hipóteses de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental previstas na própria Lei 12.651. Assim, a alteração local não é discricionária ampla: demanda fundamentação técnica, integração com o planejamento setorial e governança participativa (parecer dos conselhos ambientais).
A Lei nº 11.952/2009, art. 22, § 5º, reforça a diretriz ao prever que os limites das APPs marginais urbanas devem constar dos planos diretores e das leis municipais de uso do solo, também com oitiva dos conselhos estaduais e municipais de meio ambiente. No parcelamento do solo urbano, a Lei nº 6.766/1979 foi ajustada para: i) exigir faixa não edificável mínima de 15 m ao longo de ferrovias (art. 4º, III-A); e ii) determinar que, ao longo de águas correntes e dormentes, a faixa não edificável siga a lei municipal/distrital que definir as larguras marginais em AUC, com base em diagnóstico socioambiental municipal (art. 4º, III-B). Resulta daí um encaixe normativo entre política urbana, saneamento e gestão de riscos, reduzindo conflitos entre a legislação florestal e o direito urbanístico.
Em termos práticos, o desenho municipal das faixas deve: a) comprovar a condição de AUC com base nos cinco critérios legais; b) mapear riscos hidrológicos e geotécnicos, preservando áreas de inundação e instabilidade; c) alinhar-se aos planos setoriais e às metas de saneamento/drenagem; d) incluir condicionantes ambientais proporcionais e exequíveis; e e) assegurar transparência e participação via conselhos. A inobservância desses requisitos expõe o ato normativo local a controle judicial e pode comprometer a integridade ecológica dos cursos d’água e a segurança das populações ribeirinhas.
Em síntese, a Lei 14.285/2021 não flexibiliza a proteção das APPs urbanas; ela permite a redefinição da faixa de proteção (APP) para o nível municipal, aumentando a responsabilidade técnica e procedimental do ente local. A qualidade do diagnóstico socioambiental, a integração com o planejamento e a participação social são os vetores que convertem essa competência em segurança jurídica e efetividade ambiental.
Referências normativas essenciais para consultas aprofundadas:
1) Lei nº 12.651/2012 (arts. 3º, XXVI; 4º, §10);
2) Lei nº 14.285/2021;
3) Lei nº 11.952/2009 (art. 22, §5º);
4) Lei nº 6.766/1979 (art. 4º, III-A e III-B).
OBS: Imagem extraída do site: <https://natalrn.com.br/fotos-de-natal/>. acesso em 11 de agosto de 2025.




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